Dois anos depois de passar por uma cirurgia no colo do útero para tratar um câncer, uma paciente da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCecon) deu à luz um menino em Manaus, em fevereiro de 2020. Este é o primeiro bebê a nascer no Amazonas após uma cirurgia preservadora de fertilidade em paciente com câncer de colo uterino.
A paciente é uma funcionária pública de 33 anos, que preferiu manter anonimato. Ela descobriu, em fevereiro de 2017, uma lesão de alto grau no colo do útero em uma consulta ginecológica de rotina.
Entre consultas e exames ginecológicos mais aprofundados, a paciente foi encaminhada à FCecon em maio de 2017, onde passou pela conização, procedimento realizado para tratar lesões precursoras do câncer de colo uterino. Depois do procedimento, foi descoberto um câncer em fase inicial, um carcinoma (tumor maligno) no colo do útero.
O procedimento – Com o resultado em mãos, o cirurgião oncológico da FCecon, Marcelo Henrique dos Santos, que acompanhou a paciente desde sua entrada na unidade, deu duas opções a ela. A primeira foi a histerectomia radical, que é a cirurgia padrão para o tratamento e consiste na retirada completa do útero, com as margens de segurança, dos ligamentos uterinos e dos gânglios linfáticos ao redor do útero.
A outra opção foi a Traquelectomia Radical, cirurgia para o tratamento do câncer de colo uterino, com preservação da fertilidade da paciente. “Na Traquelectomia Radical, primeiramente é retirada apenas o segmento do colo uterino acometido pelo câncer, com as devidas margens de segurança. A diferença é que, ao invés da retirada total, nós preservamos uma pequena porção do colo e o restante do útero, juntamente com as tubas e os ovários”, explica o cirurgião Marcelo Henrique.
Num segundo momento, o útero remanescente é novamente implantado na vagina da paciente. “Dessa forma, a paciente tem seu ciclo menstrual normal e chances reais de gravidez”, diz o médico da FCecon.
Para a funcionária pública, que é mãe de uma menina de 9 anos, a decisão não foi fácil, mas ela optou pela cirurgia que lhe dava chances reais de gravidez. “Confesso que a situação mexeu muito comigo emocionalmente. Eu pretendia ter outro filho, mas sempre fui deixando para depois. Foi um choque imaginar que eu não teria outro filho”, conta a funcionária pública, que, após um tempo de indecisão, optou por fazer a cirurgia que preservava seu útero em outubro de 2017.
A cirurgia pode ser opção de tratamento para pacientes em idade fértil e que tenham desejo de engravidar. Outro requisito é que o tumor esteja em fase inicial, menor que 2 centímetros. Levam-se ainda em conta os fatores de alto risco do tumor e a experiência técnica da equipe médica.
No caso da funcionária pública, que estava dentro dos critérios, a Traquelectomia Radical correu bem e ela não precisou passar por tratamento de quimioterapia, nem radioterapia.
Novas etapas – A paciente foi alertada quanto aos riscos de complicações com a realização do procedimento (traquelectomia), como aumento da incidência de abortos prematuros, distúrbios menstruais e o fechamento do canal uterino por meio da cicatrização, o que dificultaria a concepção. Com a orientação do médico Marcelo, a funcionária pública aceitou o desafio para tentar engravidar e precisou se submeter a colocação de um dispositivo que facilita a abertura do orifício por onde passam os espermatozoides até os óvulos.
“Confesso que não foi fácil. Tive que colocar o dispositivo e sentia algum desconforto, fora algumas tentativas de engravidar que não deram logo certo. Em abril de 2019, o doutor Marcelo fez um novo procedimento e colocou um novo dispositivo. Em junho, eu estava grávida”, comemora.
Referência – Na avaliação do médico Marcelo Henrique, que está se despedindo da instituição após receber um convite para trabalhar no Hospital de Amor, de Barretos (SP), o procedimento realizado reforça a referência da FCecon no tratamento do câncer na região Norte.
“Essa cirurgia reforça a FCecon como referência através de um procedimento que é realizado em grandes centros do Brasil e do mundo. Foi um marco histórico esse primeiro nascimento, que materializa o sucesso da técnica e traz esperança para outras pacientes. Pessoalmente foi uma felicidade muito grande essa notícia da chegada do João, que foi a concretização de um sonho que não era mais só da paciente, mas também de toda a equipe médica”, afirma o cirurgião.
Sonho realizado – No dia 11 de fevereiro de 2020, a funcionária pública realizou o desejo de ter mais um filho. João Bruno nasceu com 48 centímetros e 3,5 quilos, após 39 semanas de gestação. “É o trunfo de tudo que vivi. Olho para o meu filho e passa um filme por todo sofrimento, desgaste emocional, mas agora é só alegria. Sou muito grata porque fui muito abençoada. Eu chamo de plano de Deus, não deixa de ser um milagre”, diz a paciente, ao lembrar da descrença na gravidez de alguns médicos obstetras com quem ela se consultou.
A paciente segue seu acompanhamento na Fundação Cecon e afirma que o atendimento e atenção dada a ela foram importantes no processo. “Eu sinto muita segurança no que o doutor Marcelo me fala, total confiança. Tem também a técnica de enfermagem Ecilanja Souza. Vendo a minha angústia nos procedimentos, ela ficava lá do meu lado, segurava a minha mão. Isso é quando a pessoa tem empatia”, destaca.
Para a técnica Ecilanja, o processo de ver a paciente engravidar foi uma conquista para toda a equipe da FCecon. “Eu, como mulher, entendo a dor dela. Às vezes, ela sofria durante os procedimentos, mas aguentava, foi muito forte. Para mim foi um prazer ajudá-la como profissional da saúde. Construímos um laço de amizade”, conta a técnica.
FOTOS: Laís Pompeu/FCecon