Pesca do peixe Pirarucu em Maraã no municipio do Amazonas. (Fotos Ricardo Oliveira)

A importância dos sistemas alimentares baseados na carne silvestre para povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores amazônicos ganhou novo destaque com um estudo publicado recentemente na revista científica Nature. A pesquisa reúne informações levantadas entre 1965 e 2024 em comunidades de toda a Amazônia e representa, segundo os autores, “o primeiro esforço em larga escala para mapear a caça de animais silvestres em toda a região”.

O levantamento indica que a produção de carne silvestre na Amazônia pode atender parte importante das necessidades nutricionais das populações rurais do bioma, sobretudo em relação à ingestão de proteína, ferro e zinco. A diversidade de espécies consumidas também chama atenção: são pelo menos 500 registradas, embora 20 grupos respondam pela maior parte dos animais caçados. Entre eles, estão queixada, anta e paca.

Os pesquisadores estimam ainda uma extração anual superior a meio milhão de toneladas de biomassa animal, o que resultaria em cerca de 0,37 milhão de toneladas de carne efetivamente comestível. Em comparação com valores de mercado da carne bovina, essa produção corresponderia a bilhões de dólares — uma riqueza invisível que reforça a segurança alimentar de milhares de famílias amazônicas.

Conhecimento tradicional e conservação caminham juntos

A pesquisa destaca que práticas tradicionais de caça, transmitidas entre gerações, ajudam a manter o equilíbrio das populações animais. Normas sociais, restrições espaciais e relações culturais com a fauna fazem parte desse manejo. Por isso, os territórios indígenas e tradicionais mantêm hoje alguns dos maiores refúgios de fauna da Amazônia.

Para Hani El-Bizri, pesquisador do Instituto Mamirauá e um dos autores do estudo, o trabalho é resultado de uma parceria construída ao longo de décadas com povos indígenas e comunidades locais. Ele reforça que reconhecer esses sistemas de conhecimento é essencial para garantir florestas saudáveis e fauna manejada de forma sustentável.

O estudo também recebeu o endosso de duas importantes entidades representativas: a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).

Desmatamento ameaça sistemas alimentares tradicionais

O levantamento alerta para uma tendência preocupante: nas áreas em que a perda de floresta ultrapassa 70%, a disponibilidade de fauna cai drasticamente. Regiões degradadas registram uma redução estimada de 67% na quantidade de biomassa animal disponível por caçador. A mudança da paisagem também altera o perfil das espécies caçadas, com predominância de animais generalistas em áreas próximas a centros urbanos.

Outro ponto analisado é o impacto ambiental da substituição da carne silvestre por produtos de origem doméstica. Para equiparar a oferta atual de proteína vinda da caça, seria necessária uma expansão significativa da pecuária, com conversão de grandes áreas de floresta — processo que poderia liberar bilhões de toneladas de gás carbônico e intensificar a perda de biodiversidade. Além disso, carnes domésticas contêm, em geral, níveis menores de micronutrientes essenciais.

Os autores concluem que proteger as florestas amazônicas e garantir os direitos territoriais dos povos indígenas e comunidades tradicionais são medidas centrais para manter sistemas alimentares sustentáveis baseados na caça. Essas estratégias também contribuem para metas globais de conservação e para objetivos relacionados à saúde, bem-estar e segurança alimentar.

 

*Com informações do Instituto Mamirauá

Notícias relacionadas

Ir para o conteúdo