Um silêncio incomum em sala de aula, só interrompido aqui e ali pela voz e explicações do instrutor. Em meio aos olhares dos vários alunos, há olhos que se revezam entre o que é anotado no quadro e as mãos em movimento constante da tradutora da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Esse é mais um dia de aula dos alunos do Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam), na Escola de Formação Profissional Padre Estelio Dalison. Entre eles está Maurício Souza, de 25 anos, estudante surdo-mudo inserido no programa de inclusão do Centro. Ele é um dos mais de 5 mil inscritos nos 74 cursos de qualificação profissional oferecidos pelo Cetam no último dia 21/3. As aulas iniciaram na segunda-feira (8/4).

A preocupação do Cetam não é somente dar vazão às garantias previstas em lei, mantendo a presença do intérprete de Libras para mediar a comunicação em sala de aula, mas também trabalhar para incluir os alunos surdos. Além disso, o intuito é fazer com que a comunidade escolar se envolva no processo, garantindo a efetividade do ato inclusivo.

A diretora da unidade, professora Arlene Bonfim, fala da experiência de oportunizar aos alunos a possibilidade de compreender, interagir e manifestar sua cultura pelo uso de Libras. “A acessibilidade não se resume somente ao mobiliário urbano externo, ou mesmo interno da escola. A acessibilidade também é trazer o aluno para a sala de aula e dar atenção às necessidades do educando”.

Segundo a professora, o Cetam atende esse número expressivo de pessoas, mas está atento às especificidades de quem acolhe. “Prezamos por uma metodologia alinhada, com professores capacitados. É impensável o Cetam considerar que oferta uma educação de qualidade, sem atender às particularidades de todas as pessoas com deficiência”, destacou Arlene.

Aluno motivado – Paciente com surdez total e o aparelho fonador pouco desenvolvido, Maurício fala somente por meio da linguagem de sinais. A motivação para se inscrever no curso de “Corte e escova de cabelos” veio de um tio que já trabalha na área. Na verdade, foi esse parente quem o ajudou a dar os primeiros passos na profissão, mas o fato de não dominar a linguagem de sinais dificultou a continuidade do aprendizado em casa.

“Meu tio me passou as primeiras noções de corte de cabelo, no salão dele. Mas ele não sabe Libras. Daí me disse: ‘Filho, faça o curso no Cetam, aprenda tudo e então você me ajuda no salão’”, contou Maurício, já fazendo planos para trabalhar com o tio no próprio negócio, ao final do curso.

Troca de experiência – Acompanhando todos os passos de Mauricio está a sua intérprete, a professora Adriane Oliveira. Após concluir a licenciatura em Química, não por acaso ela escolheu a especialização em Libras. Irmã e prima de pessoas com limitações na fala e audição, Adriane explicou que o interesse pelo tema começou cedo, ainda criança, na casa de seus pais. Seu primeiro professor da linguagem de sinais foi o irmão mais novo, paciente com deficiência auditiva.

“Uma amiga minha sabia da minha história de vida e do trabalho com Libras. Então ela me avisou da seleção no Cetam. Apesar do receio de não ser selecionada, na última hora fiz minha inscrição e agora estou aqui. Para mim é uma nova experiência, sem dúvida. Mas, por conta do meu irmão e primos, é também normal e prazeroso demais ajudar o Maurício nessa caminhada”, afirma.

Também para a instrutora do curso, professora Waldirene Sena, tecnóloga em Estética, é gratificante participar da formação de Maurício. “Ele (Maurício), por meio do Cetam, está oferecendo uma oportunidade de aprendizado para mim, já que nunca havia trabalhado com esse tipo de atendimento especial. E também para os seus colegas, que podem pôr em prática essa vivência em sua vida pessoal e, sobretudo, profissional, desenvolvendo formas de aplicabilidade para esse público, que é rico, grande”.

Legislação da Inclusão – Em todos os cursos ofertados pelo Cetam, a pessoa com deficiência (PcD) dispõe de campo específico para se identificar já no ato de inscrição eletrônica. A partir dessa informação, o Cetam monta toda a estrutura necessária para atender as particularidades de cada situação concreta, acompanhando o aluno ao longo de todo curso até a formação.

O Decreto nº 5.626/2005, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002, dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras) em seu capítulo V, artigo 19, indicando que “as instituições privadas e as públicas dos sistemas de ensino Federal, Estadual, Municipal, buscarão implementar as medidas referidas neste artigo como meio de assegurar aos alunos surdos ou com deficiência auditiva o acesso à comunicação, à informação e à educação”, fazendo referência à função do tradutor e intérprete de Libras, que é objeto desse capítulo.


FOTOS: Rafael Miranda / Cetam

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